O economista Leonardo Maranhão chegou em Frankfurt para fazer seu mestrado duas semanas depois do Brasil ter passado pelo histórico 7x1, em 2014.

O timing para ser um brasileiro recém-chegado na Alemanha serviu para ajudar a quebrar o gelo ao conversar com pessoas de lá, mas o mais importante foi que Leonardo, 10 anos atrás, teve acesso à uma indústria extremamente incipiente no Brasil e já altamente desenvolvida na Europa: junto ao mestrado na Frankfurt School of Finance & Management, Leonardo trabalhou na bolsa alemã e descobriu o potencial dos índices e dos ETFs.

Como foi a sua entrada no mercado de índices e de ETFs?

O mestrado permitia trabalho part time e, por mais que estivesse na Alemanha, eu não era fluente. E um dos poucos lugares em que eu conseguia me posicionar, falando inglês, era a bolsa de valores alemã, que é um grande ecossistema no mercado europeu. Lá, por acaso, eu fui parar na área de índices. Eles têm toda a família STOXX, índices que são referência do mercado europeu, e o DAX, equivalente ao “Ibovespa” na Alemanha.

Naquela época, minha ideia de “índice” vinha do que eu cresci ouvindo no noticiário, aquela matéria do Jornal Nacional à noite que falava: “o índice do Japão hoje fechou em queda de tantos por cento”. Para mim, o índice era uma simples referência de um mercado ou um país. Lá eu entendi todo o trabalho da STOXX e minha cabeça praticamente explodiu — em especial por descobrir que o índice é parte de uma indústria trilionária.

Com a experiência na área, fui para uma empresa provedora de índices com um porte menor, a Solactive. Não era uma startup, mas o clima de “todo mundo pega junto” era presente e muito positivo — desde conversar com o cliente até montar o índice no Excel, falar com o departamento jurídico, com a imprensa, então era uma visão 360° de tudo relacionado a criação de um índice.

Leo junto às esculturas do touro e do urso, que marcam a Bolsa de Valores de Frankfurt, na Alemanha

Na prática, como foi sua experiência na elaboração de índices?

Filtros regionais, filtros de dividendos, filtros de análise fundamentalista — a metodologia para criar um índice envolvia um cruzamento de inúmeros fatores.

E o desafio nunca era o mesmo: eu trabalhei na formulação de índices relativamente “simples”, com um escopo amplo, como um cliente que queria um índice que acompanhasse empresas do mesmo setor do seu país. Mas também construí índices tão específicos como um benchmark para acompanhar empresas relacionadas à produção de baterias elétricas. E precisa ser um trabalho a quatro mãos, da provedora do índice com a instituição (geralmente gestoras) que pretende lançar o produto. 

Quando você voltou para o Brasil, você protagonizou o lançamento de algo inédito no mercado de ETFs, certo?

Isso. Em 2019 decidi voltar para o Brasil e, sem ainda saber qual o próximo passo, eu comecei a produzir conteúdo no Instagram. Na época, eu me questionava se sequer conseguiria uma audiência, já que ninguém falava de ETFs aqui. Mas isso foi abrindo algumas portas — a primeira delas na Suno, com a proposta de atuar com research. Então eu tirei meu CNPI e a gente fez o que eu acredito que foi o primeiro relatório recorrente de ETFs no Brasil, como parte da carteira internacional da Suno. 

Ainda era uma época de poucos ETFs listados no Brasil, então parte da análise e da carteira envolvia olhar para ativos globais, em especial porque essa informação era difícil de achar. O investidor sabia das vantagens de investir no exterior, mas não como, no quê, onde, quais questões burocráticas, como declarar no imposto de renda. 

E depois disso, você adicionou mais uma bolsa europeia no currículo. Depois de aprender a criar índices, o desafio era também o de vendê-los…

Exatamente. Eu fui para a FTSE Russell, uma provedora de índices que faz parte do grupo que coordena também a bolsa de valores de Londres. Atuando no Brasil, atendi não só o nosso mercado como vários países da América Latina. 

Uma lição que de cara essa experiência me trouxe foi descobrir que países como Chile e México já falam em ETFs há muito mais tempo do que nós. E o que agregou à minha trajetória com índices dentro da FTSE é que eu ocupei esse cargo comercial, representando os índices do grupo para assets, corretoras, empresas de wealth, assessorias, etc, para lançamentos de novos investimentos que usassem os nossos índices como benchmark, incluindo ETFs mas não só. O Itaú tem o REVE11, um ETF com índice da Russell focado em Economia Verde. O WRLD11, da Investo, acompanha o FTSE Global All Cap, só para citar alguns exemplos. 

Na construção e na negociação de índices, você naturalmente viu os movimentos do mercado, em especial discussões sobre ETFs temáticos. 

A gente passou por isso aqui no Brasil, que foi de uma realidade de ter ETFs muito “basicões” — Ibovespa, S&P 500, small caps — para a partir de 2020 ver um boom de ETFs temáticos: tecnologia chinesa, NFTs e por aí vai. Foi parte de uma tendência global e que trouxe uma lição para estratégias tematizadas: muitas vezes as teses por trás de um nicho muito específico já estão “precificadas”.

Outro ponto complexo do ETF temático é o quanto a composição das empresas no índice de fato crescem por conta da tese do índice. Um bom exemplo é o setor de carros autônomos ou elétricos. Naturalmente, você vai incluir uma empresa como a Toyota, por exemplo, ao considerar criar um índice do tipo para o lançamento de um ETF temático. 

Mas qual o percentual de faturamento da empresa em carros elétricos? O retorno que essa ação traz para o fundo corresponde à tese do índice do ETF? Exemplos não faltam: o mesmo aconteceu com o hype em relação a cloud computing, onde empresas que lideram esse segmento, como Amazon e Google, também têm diferentes negócios. Não é um ponto que invalida o ETF temático, mas mostra a dificuldade de encontrar a causalidade da tese em relação à performance. 

Olhando para frente, qual você acredita que será a “virada” para a popularização dos ETFs no Brasil?

A virada para os ETFs no Brasil não vai vir somente do investidor, porque existe uma curva muito grande ainda de aprendizado. Acredito que o movimento pode ser puxado pelo mercado, sejam as corretoras, casas de análise, assets ou os próprios assessores, tende a virar a chave para abrir mais espaço. 

Esse momento da resolução CVM 179 é importante, em que a comissão e os rebates do assessor ficam claros para o cliente, o que pode fazer o mercado olhar para o modelo de remuneração fee fixo, onde você ganha um percentual do patrimônio do cliente, então o crescimento é relacionado, com mais atenção.

Só que o brasileiro assessorado se acostumou a achar que “não paga nada” no modelo de comissão. Então são desafios que se somam. Para mim, a única resposta certa é a de que o papel do assessor precisa deixar de ser o de alguém que recomenda “o produto da vez” e passa a olhar para o planejamento financeiro.

O planejamento financeiro é sair dessa coisa de comprar e vender investimentos e olhar para elementos como previdência, redução de pagamentos de impostos, planejamento sucessório, seguro de vida. E, quando falamos de investimentos, que sejam alocações coerentes com os objetivos e prazos do cliente, buscando os melhores produtos, sem o conflito de interesses em indicar o que gera uma comissão maior. Você tem a oportunidade de prestar um serviço mais técnico e menos comercial.

É o que você faz hoje na Invés, certo? O que te motivou a ir para o dia a dia de wealth planning?

Desde que eu comecei a produzir conteúdo, surgiu o desejo de um dia atender pessoas. Eu via seguidores pedindo análise de uma seleção de ativos e não sentia que era certo dizer se concordava ou não com a alocação de alguém que eu não conheço. Ao mesmo tempo, não me identificava com o modelo comercial praticado até então. E esse ano, com a evolução do mercado, eu vi que eu tinha espaço para atuar em uma assessoria com o que eu realmente acredito e aprendi nesses anos todos através dos ETFs e dos índices, como transparência, longo prazo, alocação de ativos e estar alinhado de verdade com os objetivos do cliente.