Enquanto o mercado financeiro está repleto de influencers prometendo retornos exorbitantes com suas sugestões de investimentos, ainda são poucas as vozes que abordam os ETFs. 

O motivo não é mistério para ninguém: longe de prometer retornos do dia para a noite, falar sobre o investimento em ETFs envolve "dar um balde de água fria" na ansiedade do investidor brasileiro e relembrar a importância da diversificação, do longo prazo e da consistência.

Entre as vozes que desmistificam os ETFs nas redes sociais está Geraldo Búrigo, especialista em investimentos (CEA) com quem a redação da tudoETF bateu um papo exclusivo. 

Engenheiro eletricista de formação, Geraldo nos contou como foi a transição para o mercado, os aprendizados como consultor de investimentos e por que ele vê valor em construir uma estratégia de investimentos focada em ETFs — que ele chama de “o simples que funciona”.

Tudo começou como um hobby… 

“Eu sempre gostei de investir e, enquanto estava praticando stock picking, acabei descobrindo os ETFs em 2019 pelo Otávio Paranhos e pelo Daniel Stapff, que para mim são referências no assunto. 

Comecei então a estudar o tema, revi toda minha carteira, mas sempre acreditei que os investimentos seguiram como um interesse pessoal. Só que eu percebi a dificuldade de conversar sobre ETFs em uma roda de amigos — ninguém falava sobre e quase ninguém sabia o que era. 

Foi então que comecei a falar do tema no Twitter, depois no Instagram, sempre focado em mostrar dados, estudos e análises acadêmicas para justificar a importância de uma diversificação global e as vantagens da gestão passiva.”

… que levou a mais de 130 clientes interessados em ETFs

“Aos poucos, as pessoas começaram a perguntar se eu dava consultoria. Decidi me especializar e, no ano passado, criei um formato simples, sem cobrar comissão nem estipular uma porcentagem sobre o patrimônio de um cliente: como se fosse uma ‘consulta médica’, pelo mesmo valor, eu atendi em pouco mais de um ano mais de 130 clientes — isso tudo enquanto seguia minha carreira em tecnologia em uma multinacional chinesa.

O meu objetivo sempre foi criar uma carteira 100% focada em ETFs. Me surpreendeu, inclusive, a quantidade de pessoas interessadas em algo assim. E foi aí que pensei: vou sair da minha área e trabalhar com investimentos. 

Aos 42 anos de idade decidi fazer uma transição de carreira. O empurrão final veio quando eu recebi uma proposta para trabalhar na research de uma empresa do mercado financeiro. Aceitei o desafio, me demiti do emprego em que eu estava e, por questões de transparência e para não gerar conflito de interesses, fiz uma pausa na trajetória como consultor.  Essa é minha história: nunca fui do mercado financeiro, mas cheguei nele por ser um apaixonado e entusiasta por ETFs.”

O que uma consultoria focada em ETFs é capaz de entregar

“O principal público que eu atraí era composto de investidores cansados de fazer stock picking ou pessoas que sentiam que não tinham tempo para cuidar dos seus investimentos. A consultoria serviu também como uma escola para mim, por conhecer diferentes dores de quem investe. E a verdade é que a solução muitas vezes era simples: com 6 ou 7 ETFs, é possível criar uma boa carteira diversificada.

Um ponto essencial com meus clientes sempre foi bater na tecla da importância de continuar fazendo aportes. Quando a gente olha para a fórmula dos juros compostos de um investimento, a gente vê rentabilidade, tempo investido e aportes realizados. E as pessoas focam demais naquilo que não tem controle, a rentabilidade, perdendo de vista o que elas podem, de fato, controlar: a regularidade dos investimentos e o tempo investido.”

Um dos medos do investidor brasileiro em relação a ETFs estrangeiros é…

“Muita gente ainda tem medo de fazer remessa e enviar o dinheiro para o exterior. Nesse ponto, além dos cerca de 100 ETFs brasileiros, existem 250 BDRs na bolsa brasileira que replicam ETFs do exterior.

Como consultor, atendi muitos investidores interessados não só em acessar diretamente ETFs estrangeiros, mas também aproveitar os benefícios dos ETFs irlandeses.

Os ETFs irlandeses são uma alternativa quando a gente olha para o mercado americano por conta do imposto de herança americano para não residentes, que começa a incidir acima de 60 mil dólares investidos. 

Eles não possuem esse imposto e você tem acesso a cerca de mil ETFs domiciliados na Irlanda, replicando uma variedade de índices e com a gestão das mesmas grandes empresas que dominam o mercado americano, como BlackRock e Vanguard.

Outros dois pontos positivos dos ETFs irlandeses são o seguinte:

- Existe um acordo entre Irlanda e Estados Unidos para que os dividendos recebidos de empresas americanas não sejam tributados em 30%, mas em 15%. Quando você investe em um ETF americano, ele é tributado 30% na fonte. 

- Todos os ETFs americanos são de distribuição: se o índice gera dividendos, eles são devolvidos ao investidor. Na Irlanda, você encontra ETFs de acumulação, ou seja, ele reinveste os dividendos automaticamente. Isso torna o imposto de renda aqui no Brasil muito mais fácil: em vez de declarar todo ‘pinga pinga’ de dividendos, você só atualiza a posição do seu ETF anualmente no IR. Nesse ponto, os ETFs aqui da B3 são em grande maioria de acumulação, mas já existem alternativas de distribuição.” 

E aqueles clientes que não desapegam de negociar ações na bolsa?

“Eu gosto muito do que o Morgan Housel fala no livro ‘A Psicologia Financeira’, de que a gente não tem como ser racional 100% do tempo, mas que a gente tem que pelo menos tentar ser razoável. 

E eu vi isso nos meus clientes: alguns diziam que gostavam da adrenalina de comprar e vender ações, mesmo sabendo que não era a forma mais eficiente de gerar patrimônio. 

Meu conselho sempre foi o de que ninguém precisa abandonar a prática, mas que ela seja feita com um percentual bem pequeno do patrimônio. Garanta uma base sólida e diversificada e ‘brinque’ na bolsa com um certo limite, até porque é natural do ser humano gostar de ‘ter história para contar’, chegar na roda de amigos e dizer que conseguiu um certo ganho com a venda de um papel fazendo trade."

A diversificação como peça-chave

“Uma comparação que eu gostava e ainda gosto de fazer, em especial quando via clientes interessados em ETFs de S&P 500 ou querendo investir no QQQ, um ETF da Invesco que segue o índice Nasdaq-100, é mostrar a "década perdida" da bolsa americana: de 2000 e 2009, os índices entregaram, ao fim, resultados negativos. E a pergunta que eu faço é: ‘Você teria aguentado ficar 10 anos investindo apenas nesses índices?’ E aí eu adiciono a performance do Ibovespa no mesmo período, que foi fantástica. 

Isso tudo para mostrar a importância da diversificação: apesar da bolsa americana ser atraente e estar já há um bom tempo trazendo ótimos retornos, é importante não concentrar o patrimônio em uma geografia só. A frase é clichê, mas ela é clichê porque é verdade: a diversificação é o único almoço grátis dos investimentos."

O que o mercado financeiro brasileiro precisa aprender

“Eu vejo que o mercado brasileiro teve um impacto positivo ao desbancarizar os investimentos e criar o modelo de assessoria, mas também criou um formato de incentivo de remuneração por comissões. 

Com isso, a gente vê um profissional recomendando um COE ou uma debênture com vencimento em 2050 para uma pessoa de 50 anos. Eu não entro no mérito de julgar o profissional, dizer que todos fazem por maldade, porque o mercado em sua grande maioria gera esse incentivo.

Mas estamos em um processo de mudança [com a resolução CVM 179], em que o modelo de taxa fixa de remuneração ganha mais popularidade. Acredito que os profissionais de investimentos tendem a ver com mais carinho os ETFs ao construir uma carteira, porque ele vai ganhar junto com o cliente. 

Mas eu sempre gosto de lembrar que os ETFs não são uma "bala de prata": não é o produto que vai trazer ganho exorbitante do dia para a noite. O que ele traz é uma possibilidade maior de ganhos consistentes. 

O maior desafio é de educação e não só do investidor: existe uma quantidade considerável de profissionais do mercado que não conhecem os benefícios dos ETFs. Analisando o patrimônio sob gestão, a gente descobre que o dinheiro hoje investido em ETFs brasileiros equivale a apenas 0,5% do dinheiro investido em fundos tradicionais. 

Existe muito a ensinar e, para mim, educar o profissional e o investidor sobre ETFs é focar em três palavras-chave: simplicidade, transparência e liquidez.”