“Tenho um investimento imperdível para você…”

Quem já foi atendido por um assessor talvez reconheça a frase. Mas o prestígio de receber boas recomendações para investir nem sempre se traduz em boas intenções do assessor — e é isso que a 179, a nova resolução da CVM (o órgão que regula o mercado financeiro no Brasil) busca remediar.

Vigente desde a última sexta-feira, dia 1°, a CVM 179 espera diminuir o conflito de interesses sofrido por muitos brasileiros.

Entre os mais de 25 mil assessores credenciados no Brasil, a grande maioria opera no modelo comissionado: parte da sua remuneração está na comissão recebida ao indicar um produto específico.

Profissionais precisam ser remunerados, é claro, mas o modelo de assessoria comissionada permite que alguns assessores convençam o investidor a colocar dinheiro em um produto que é melhor para o ganho da comissão, não necessariamente para os retornos do cliente.

A nova norma exige que as corretoras forneçam um extrato trimestral de comissões recebidas pelo assessor que atende o cliente, daí o apelido de “resolução da transparência”.

“O que os ETFs têm a ver com isso?”

A comissão pode vir de dentro, como um incentivo da própria corretora aos seus assessores, mas também existem outros espaços para o conflito de interesses.

Um deles é o chamado “rebate” dos fundos de investimentos tradicionais, que corresponde a quanto a gestora de um fundo paga para a distribuidora (a corretora e, por consequência, seus assessores).

Segundo pesquisa divulgada pelo Neofeed, depois de analisar mais de 3 mil fundos por quatro anos, a Rubik constatou que a cada 1% de taxa de administração, 0,4 ponto percentual fica de rebate para o assessor.

A maioria dos fundos de investimentos no Brasil opera no modelo “2 com 20”: 2% de taxa anual de administração mais 20% sobre o rendimento. Some a isso o come-cotas, que é o recolhimento de impostos sobre o seu investimento, e aos poucos o patrimônio de quem investe vai ficando menor.

Agora compare isso aos custos de investir em ETFs brasileiros: as taxas anuais giram em torno de 0,2 e 0,8%, com 15% de recolhimento sobre o lucro. E sem come-cotas.

Lá em 2021, o gestor Pedro Mota, hoje na Nu Asset, comentava para a Você S/A: "não existe estrutura de incentivo aos ETFs. Você não espera que o mercado financeiro vá oferecer ETF para o consumidor final".

Adoramos a acidez da jornalista Tássia Kastner nessa mesma reportagem: “pagar o salário e o espumante de tanta gente nos prédios envidraçados da Faria Lima sai caro. Por isso os 2% [dos fundos tradicionais] ao ano.”

Cristiano Castro, da BlackRock, em reportagem recente para o Valor Econômico, lançou a tese de que, à medida que o brasileiro tem mais acesso aos custos envolvidos em investir, mais terá interesse em ETFs.

Talvez não seja da noite para o dia, como o próprio executivo comenta, mas certamente uma mudança está a caminho. E a recomendação de um ETF por parte de um profissional de investimentos não precisa ser seguida na casa onde ele trabalha: estamos falando de produtos listados na bolsa, e a escolha de onde executar a operação é sua.

Tem renda fixa na bolsa? Sim — e cada vez mais

Enquanto os fundos de índice de renda variável seguem como maioria entre os ETFs, a oportunidade de acessar a renda fixa (incluindo a americana) pela bolsa cresce cada vez mais. Sim, parece contraintuitivo: entrar na loucura da bolsa para chegar em um terreno mais calmo como o da renda fixa. Vamos entender…

O ETF de renda fixa funciona da mesma forma que os seus colegas de renda variável: ele reflete um índice. Se, na renda variável, você encontra índices que acompanham uma cesta de ações, como as ações do Ibovespa, na renda fixa, você encontra um índice que segue um grupo de ativos que têm algo em comum, como títulos do Tesouro, por exemplo.

Hoje mesmo, dia 5, começam as negociações de mais um ETF de renda fixa na B3: o LFTB11, da gestora Investo. O ETF acompanha um índice da MarketVector que leva em conta tanto títulos atrelados à taxa de juros (a Selic) quanto à inflação, segundo o Monitor do Mercado. O LFTB11 terá taxa de administração de 0% até março do ano que vem (não há informação de qual será a taxa depois desse período).

Outro ETF que recém chegou na B3 é o DBOA11 (achamos o nome simpático). Gerido pela Oryx Capital, o olhar do fundo cruza as fronteiras: o foco é em debêntures conversíveis emitidas no mercado estadunidense (esses termos já não são tão simpáticos, concorda?).

Traduzindo…

Empresas precisam de dinheiro para crescer. O mercado de capitais é um meio para fazer isso e as debêntures são um dos diversos títulos de renda fixa que conectam empresas a investidores.

O caso é o mesmo quando você investe no Tesouro, aliás: você empresta para o governo R$ X com a expectativa de receber R$ X + algum retorno, seja esse retorno uma taxa prefixada, pós-fixada ou um bem bolado dos dois.

A parte conversível é que a debênture, quando possui essa característica, permite que o investidor se torne acionista da empresa que emitiu o papel: ou seja, o pagamento do empréstimo pode ser feito em ações.

Segundo a reportagem do Seu Dinheiro, o ETF "de boa" acompanha o já existente índice Bloomberg US Convertible Liquid Bond e possui taxa de administração de 0,7%.

Isso é recomendação para algum desses fundos?

Se você está chegando nesta edição, repetimos nosso disclaimer de estreia: não fazemos recomendação direta de produtos. A gente dá a informação e você faz com ela o que quiser.

E falando em informação, vale saber algumas diferenças entre ETFs de renda variável e de renda fixa:

➡️ Quando você decide sacar o valor de um ETF, você tem que pagar 15% de imposto sobre o rendimento. Para ETFs de renda variável, o pagamento é feito ativamente: você precisa emitir a DARF e quitar o boleto até o último dia do mês seguinte ao saque.

➡️ Em ETFs de renda fixa, a tributação é menos burocrática, já que é descontada automaticamente do valor na hora de liquidar, sem precisar de DARF. A porcentagem, por outro lado, pode variar de 15% a 25%, dependendo do prazo médio dos títulos envolvidos, algo que você talvez veja descrito como PMRC por aí. Para descobrir o PMRC de um ETF de renda fixa, sugerimos pesquisar os materiais do fundo disponibilizados pela gestora. Ou nos pergunte e vamos atrás!